sábado, 16 de junho de 2007

Apenas um conto...


NEM TODAS AS SEXTAS SÃO FEIRAS...


Noite de sexta, um estridente vento frio corta as ruelas da capital gaúcha. No alto do morro, espia através de uma fresta de janela, Ana Maria. Ansiosa pela volta do amásio, Ana sussurra palavras sem nexo ao gatinho Mími que entrara na casa para se resguardar da fina garoa que caia insistente no lado de fora.
A cena já virara rotina, o amásio Nunes todos os fins de semana se reunia com seus amigos em um barzinho e de lá partiam para o prostíbulo mais próximo. Acabada a festa, Nunes ia para o que chamava carinhosamente de: “A segunda noitada”. Ia para os braços aconchegantes de Ana Maria, que por sua vez sempre lhe aguardava com uma cama quente repleta de amor.
Mas naquela noite tudo seria diferente; O vento que sempre soprava em direção ao já conhecido prostíbulo, mudaria de rumo naquela fatídica sexta-feira. Nunes entrara em um carteado de pôquer e nele perderia grande parte de seu patrimônio.
Desolado, o homem que trocara o sexo fácil de uma prostituta por uma tentativa de ganho também fácil está derrotado. Restava-lhe agora como consolo, os seios fartos de Ana Maria, que certamente ajudariam a recuperar um pouco da sua auto estima, pelo menos pela aquela noite.
Após subir a tortuosa escadaria da rua 24 de maio, Nunes chega ao seu destino. Porém ao chegar lá, Ana mais do que o habitual demora a abrir-lhe a porta. Transtornado o homem bate insistentemente até que sua mente já perturbada começa a imaginar o suposto motivo que justificaria tamanha demora até que finalmente entra e depara-se com o rosto pálido de Ana Maria. Sua expressão era de medo, já havia sido vítima da violência de Nunes em outras ocasiões e sabia que tal situação estava se encaminhando para mais um daqueles casos em que o saldo era sempre um ou dois olhos roxos.
Ana Maria não entendendo o que estava se passando, apenas chora. Compulsivamente. Nunes então no auge da sua insanidade começa a espancar a moça que de reação apenas grita implorando pela sensatez do homem que acreditava amar.
Esgotado o seu fôlego, Nunes perguntou pela última vez o porque da demora e por qual motivo a janela estava entreaberta em uma noite fria como aquela. Seria por lá a rota de fuga de um suposto amante? Esta resposta Nunes jamais obteve pois espancara a mulher até que ela perdesse a consciência.
Paulo da Silveira Nunes sentou permaneceu calado por infinitos dois minutos e quando parecia que sua ira havia se extinguido, levantou-se calmamente e dirigiu-se ao quarto. Na parte superior do guarda roupas de Ana Maria havia uma caixa que originalmente foi o invólucro de um tênisAll Star”. Era o calçado padrão das adolescentes que freqüentavam o bairro Bom Fim nos fins de semana. Porém Ana Maria já não era mais adolescente e naquela caixa já não havia o famoso tênis de lona e borracha. Dentro da caixinha desbotada repousava há vários meses um revólver calibre trinta e oito que Nunes recebera como pagamento de uma antiga dívida.
Então como que por um milagre, Ana recobrou a consciência e percebeu as intenções de Nunes ao vê-lo subido em uma cadeira procurando a caixa que estava em cima do roupeiro. Ainda cambaleante, Ana corre em direção a cozinha e passa a procurar desesperadamente dentre todos os armários que possuía algo que pudesse lhe ser útil a uma eventual defesa.
Nunes era um homem rude. Natural de São Luís Gonzaga era um sujeito que sempre se dizia meio avesso a frescuras. Gostava de comer feijão com arroz, aipim e se possível, um pedaço de carne mal passada. Naquela sexta feira Ana Maria queria fazer um agrado ao seu amor e para isso estava disposta a lhe preparar um cardápio diferente embora soubesse que certamente haveria resistência por parte do amante. O prato escolhido foi um fricassê e quando Nunes chegou, Ana Maria estava retirando o frango do congelador.
Após encontrar o velho revólver, Nunes procurou os projéteis que estavam na gaveta do bidê. Estavam todos dentro de um pote de creme que Nunes julgava estar vazio e completamente limpo. Não estava. Os projeteis estavam com resíduos de creme para o cabelo. Gordurosos e escorregadios, ainda assim Nunes os colocou no tambor da arma e se dirigiu a cozinha.
Então finalmente surge na porta da cozinha Nunes. Empunhando a sua arma o homem chora, vira o rosto pois expôs uma lágrima não estava previsto no seu código de masculinidade. O homem respira fundo, funga mais umas duas vezes e torna a fixar o olhar para Ana Maria.
Duas vezes. É a quantidade de “clics” que se ouve naquele segundo de silêncio. Singelos eles ecoam na cozinha repleta de talheres espalhados pelo chão. Ele olha para a arma, olha para Ana que por sua vez lhe devolve o olhar com uma expressão de raiva nunca antes vista por Nunes.
Ana Maria em um último instinto de sobrevivência corre com os olhos o balcão onde estava preparando a janta. Buscava o cutelo, que certamente lhe daria alguma vantagem (ainda que momentânea) caso houvesse novamente uma luta corporal entre ambos.
Ana desliza a mão sobre a pia em busca do cutelo, mas sem desviar o olhar de Nunes acaba pegando o pescoço do frango que estava preparando. A ave ainda estava congelada quando Ana Maria golpeou ferozmente as têmporas de Nunes. Em um instante de insanidade Ana Maria nem percebera que não era o cutelo que estava na sua mão.
Quando Nunes caiu desfalecido, Ana sentiu-se aliviada ao perceber que o objeto de sua agressão era apenas um frango. Tarde demais.
Três horas depois o movimento de policiais era intenso na antiga escadaria. O sobe e desce de homens uniformizados denunciava a tragédia que acontecera. Paulo da Silveira Nunes, então com quarenta e nove anos. morrera em decorrência de uma hemorragia intracraniana provocada por diversos traumatismos. Ana Maria foi presa em flagrante e aguarda seu julgamento na penitenciara feminina de Porto Alegre.

"Este conto eu escrevi baseado em uma história que a minha saudosa amiga Cristina Hering me contou. Cristina além de ser uma grande amiga tinha uma peculariedade por deveras especial, o seu emprego. Estudante de agronomia, cria fazia um estágio (nada a ver com seu curso) no Instituto Médico Legal (IML) de Porto Alegre e de lá me trazia as histórias mais inusitadas e bizarras das mortes portalegrenses. Cris, uma abraço, se um dia chegares a ler isso entre em contato!"